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ANGIOGRAFIA CEREBRAL

Angiografia Cerebral

 

O conceito de angiografia cerebral por cateterismo foi introduzido pela primeira vez em 1921, pelo médico português ganhador do prêmio Nobel Antônio Egas Moniz, e é considerada a segunda modalidade mais antiga de imagem para a análise in vivo do sistema nervoso central (pneumoencefalografia é a mais antiga).

 

Ao longo das últimas duas décadas, os métodos de imagem vascular cerebral não-invasivas, como o ultrassom doppler (US doppler), a angiografia por tomografia computadorizada (CTA) e angiografia por ressonância magnética (ARM) tornaram-se cada vez mais disponíveis, usado e efetivo. Devido à melhora da resolução espacial, tempo de aquisição e pós-processamento recursos para a reconstrução em 3 dimensões destes exames, o papel da angiografia cerebral digital com subtração (ACDS), mais invasiva e cara, tem diminuído.

 

Apesar de ser considerado um procedimento relativamente seguro, a angiografia cerebral envolve o cateterismo arterial carotídeo e vertebral e, portanto, traz um pequeno risco de complicações neurológicas graves.

 

Apesar dos avanços dos exames não invasivos para o estudo da vascularização do sistema nervoso central e das lesões da cabeça e do pescoço, a angiografia cerebral continua sendo o padrão ouro pra o estudo de patologias como o aneurisma cerebral e as malformações arteriovenosas do crânio e deve ser realizada no primeiro momento disponível quando um paciente é diagnosticado com hemorragia subaracnóide não traumática.

 

Cuidados antes da realização de uma arteriografia eletiva

 

  • Os medicamentos de uso habitual não pode ser suspensos, exceto os anticoagulantes orais, por 5 a 7 dias, pelo risco de sangramento (o INR deve estar abaixo de 1,5) e a metformia medicamento para o tratamento de diabete melito por 48 horas, pelo risco de interação adversa com o contraste e lesão renal.

 

  • Jejum de pelo menos seis horas (ideal 8 horas), tendo a necessidade da presença de um acompanhante de preferência da família, durante o exame.

 

  • Exames de interesse deverão ser apresentados no dia do exame como: tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia.

 

  • No caso de pacientes alérgicos a contraste é necessário fazer uma preparação com antecedência com medicamentos anti-alérgicos.

 

  • Pacientes com disfunção renal, ou com risco de desenvolvê-la, poderão necessitar de algum medicamento ou internação para ser hidratado com soro fisiológico, visando diminuir riscos de disfunção renal ocasionada pelo contraste do exame, este deverá ser de um tipo especial, com menos potencial de lesar os rins. No caso de pacientes renais crônicos deverão fazer diálise no dia que antecede o exame.

 

Materiais

 

Os materiais utilizados em uma angiografia cerebral (Tabela 1) são geralmente um introdutor femoral 5F, um cateter diagnóstico 5F com curva vertebral 5F e um guia hidrofílico 0.35. Em alguns casos em que o cateterismo seletivo de alguns vasos é difícil e podemos utilizar o cateter diagnostico 5F com curva Simmons 2 para acessa-los. Para arma-lo, a técnica mais simples é a cateterização da artéria subclávia esquerda com um guia hidrofílico 0.35 ou um guia Teflonado com curva J.

 

Angiografia Digital com Subtração – Materiais

Introdutor Valvulado 5F
Cateter Diagnóstico 5F (curvas Vertebral e Simmons 2)
Fio Guia Hidrofílico de 0,035’’
Fio Guia Teflonado J de 0,035’’ (se necessário)
*Perfusão Pressurizada com Soro Fisiológico (1000 ml); Torneirinha 2 ou 3 vias; Seringas (10 ml); Contraste iodado não iônico; Heparina

Tabela 1. Materiais utilizados em uma angiografia diagnóstica.

 

Técnica

 

  • Acesso:

O acesso preferencial é o femoral, eventualmente podemos também acessar pela via braquial ou radial em alguns casos em que o acesso por via femoral não é possível (oclusão) ou quando não é possível a cateterização de algum vaso como a artéria vertebral.

 

  • Cateterismo:

O cateterismos dos troncos supra aórticos devem ser realizados sempre por visualização direta e com o uso de guia hidrofílico 0.035’’, para diminuir o risco de embolia distal e dissecção destes vasos.

 

O cateter mais utilizado é o de calibre 5F e com curva do tipo Vertebral, que permite o adequado posicionamento na origem destes troncos, possibilitando assim a passagem adequado do fio guia e posterior cateterismo seletivo dos vasos.

 

Em pacientes com arco aórtico e troncos supra aórticos tortuosos podemos utilizar o cateter com curva do tipo Simons 2. Seu manejo é um pouco mais complexo, devido a necessidade de arma-lo. Para isso podemos cateterizar um grande vaso com um fio guia e posteriormente com o cateter, para depois tracionar o cateter novamente para dentro do arco aórtico. Com a curva do tipo Simons 2 armada, o cateterismo das carótidas comuns se torna mais acessível.

 

É importante lembrar que devemos sempre lavar com solução fisiológica o interior do cateter após a passagem do fio guia para evitar a formação de trombos. Isso deve ser feito após a observação de refluxo sanguíneo seguido por aspiração de pequena quantidade de sangue. Se o cateter estiver ocluído devemos tracionar um pouco, ele pode estar contra a parede e se realizarmos aspiração ou injeção de soro/contraste podemos causar uma disseção.

 

  • Contraste:

O contraste utilizado é o contraste iodado não iônico de baixa osmolaridade, que nos permite uma boa opacificação das estruturas vasculares causando um menos desconforto ao paciente e com menor risco de reações adversas.

 

  • Angiografia Cerebral Digital com Subtração:

A aquisição angiográfica digital com subtração nos fornece imagens com alta definição e com uma resolução temporal adequada para os estudos dinâmicos podendo identificar a presença de shunts arteriovenosos em malformações vasculares ou fistular arteriovenosas adquiridas e retardo no parenquimograma em situações de baixo fluxo.

O exame é realizado após o cateterismo seletivo das carótidas comuns, internas e externas e as artérias vertebrais.

 

  • Incidências:

As principais incidências utilizadas são: antero posterior (AP), obliquas 30 a 45% (direita e/ou esquerda) e perfil das carótida internas ou comuns, um perfil das carótidas externas e pelo menos AP e perfil de uma ou as duas vertebrais.

  • Incidência de trabalho:

Além das incidências padrão devemos realizar as incidências de trabalho ou estudo das diversas patologias que podemos encontrar. Por exemplo: a incidência de trabalho de um aneurisma é aquela que define com melhor precisão a relação do colo com o vaso portador.

 

Angiografia Rotacional com Reconstrução 3D

 

Os equipamentos modernos de angiografia permitem realizar sequencias rotacionais para reconstrução tridimensional e análise minuciosa da anatomia vascular de cada vaso estudado.

 

O aparelho de angiografia realiza uma torração de 180 graus enquanto realizamos uma injeção contínua de contraste na artéria a ser estudada. Esta rotação dura aproximadamente 4 segundos com a captação de 120 imagens que são enviadas a uma estação de trabalho e posteriormente reconstrução tridimensional. Atravéz dessas imagens podemos realizar mensurações precisas como a dimensão de um aneurisma ou de vasos ajudando na escolhas dos materiais a serem usados.

 

Teste de Oclusão Carotídea:

A oclusão temporária da carótida interna com balão permanece como uma importante ferramenta no processo terapêutico de patologias da cabeça e pescoço, como neoplasias que envolve a carótida interna, aneurismas localizados na carótida interna e fistulas arteriovenosas como a fístula carotidocavernosa direta.

O teste deve ser realizado após punção femoral bilateral com um introdutor 6F e um 5F, com o posicionamento de um cateter guia em uma carótida interna, para a passagem do balão e um cateter diagnóstico 5F no outro vaso (carótida interna contralateral ou artéria vertebral) para a realização da aquisição angiográfica. O procedimento deverá sempre ser realizado sob heparinização sistêmica.

Alguns operadores realizam o teste também sob anestesia geral baseada em séries como a de ABUD DG publicada em 2005 que realiza a análise do tempo de drenagem venosa. O teste se baseia no tempo do aparecimento das primeiras veias corticais,

 

Indicações:

As principais indicações de angiografia cerebral são: malformações vasculares, aneurisma cerebral, vasculite e estenose intracraniana.

 

  • Hemorragia subaracnóide:

A excelente resolução espacial permite a análise detalhada de aneurismas cerebrais. O exame deve ser realizado no primeiro momento possível em um paciente com diagnóstico de hemarragia subaracnóide (HSA) não traumática. Devido ao alto risco (4%) de ressangramento nas primeiras 24 horas, a angiografia precoce permite uma maior agilidade na decisão terapêutica e no prognóstico do paciente.

 

  • Vasculite:

Vasculite/Arterite é um processo inflamatório das artérias e a cefaléia pode ser o primeiro sintoma. A vasculite pode ser sistêmica, isto é, atingir várias regiões arteriais do organismo, ou limitar-se a vasos do interior do crânio (caso em que é chamada de angeíte primária do sistema nervoso central).

A vasoconstrição segmentar cerebral reversível, também conhecida como síndroma de Call-Fleming, é uma entidade clínica que consiste numa vasoconstrição segmentar das artérias cerebrais, que pode cursar com défices neurológicos focais e que é caracteristicamente reversível. O diagnóstico e seguimento da vasoconstrição segmentar cerebral reversível realiza-se por arteriografia cerebral. A constatação comum de vasoconstrição cerebral segmentar difusa das artérias carótidas internas intracranianas, artéria basilar, e principalmente as artérias do polígono de Willis, que é espontaneamente reversível em semanas para meses.

 

  • Estenose intracraniana:

Estenose aterosclerótica das grandes artérias intracranianas (sifão carotídeo, artéria cerebral média, artéria vertebral) é causa importante de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) especialmente em negros, asiáticos e hispânicos. Nos Estados Unidos, estenose intracraniana causa cerca de 50.000 casos de AVCI anualmente. Oclusão intracraniana isolada foi observada em 6,1% dos pacientes; lesões estenóticas das artérias basilares em 7,7% (Figura 12), vertebrais 4,4%, carótida intracraniana 6,7%, artéria cerebral media (MCA) 3,8%, artéria cerebral anterior (ACA), artéria cerebral posterior (PCA) 3,2%. Em pacientes de cor negra, 15-29% dos casos de ataque isquêmico transitório (TIA) devem-se a estenose de grandes artérias intracranianas. São considerados fatores de risco para esta condição cínica: hipertensão arterial, hiperlipidemia/dislipidemia, tabagismo e diabetes.

 

Outras indicações de angiografia cerebral são a avaliação de trombose venosa cerebral e a avaliação de tumores hipervasculares cerebrais e de cabeça e pescoço. Aneurismas cerebrais e malformações arteriovenosas cerebrais serão abordadas nos seus respectivos capítulos neste mesmo livro.

 

Anatomia

 

  • Arterial:

A artéria carótida comum direitas nasce geralmente do tronco braquiocefálico e a carótida interna esquerda emerge diretamente do arco aórtico. Na altura do ângulo da mandíbula as artérias carótidas comum geralmente se dividem em carótida externa e interna. A carótida interna pode ser dividida em segmentos dependendo de seu trajeto e situações em cervical, petrosa, cavernosa e supraclinoidea.

O encéfalo é vascularizado através de dois sistemas: vértebro-basilar (artérias vertebrais) e carotídeo (artérias carótidas internas). Na base do crânio estas artérias formam um polígono anastomótico, o Polígono de Willis, de onde saem as principais artérias para vascularização cerebral.

As artérias vertebrais se anastomosam originado a artéria basilar, alojada na goteira basilar. Ela se divide em duas artérias cerebrais posteriores que irrigam a parte posterior da face inferior de cada um dos hemisférios cerebrais.

As artérias carótidas internas originam, em cada lado, uma artéria cerebral média e uma artéria cerebral anterior.

As artérias cerebrais anteriores se comunicam através de um ramo entre elas que é a artéria comunicante anterior.

As artérias cerebrais posteriores se comunicam com as arteriais carótidas internas através das artérias comunicantes posteriores.

Ramos perfurantes oriundos dos componentes do círculo arterial nem sempre são visíveis nos estudos de angiografia por tomografia computadorizada, entretanto, são de fundamental importância nos planejamentos terapêuticos, uma vez que irrigam todo o território central da base do crânio. A angiografia cerebral com subtração apresenta alta resolução espacial com matriz de 1024 × 1024 e é responsável pela avaliação morfológica também de pequenas artérias perfurantes, muitas vezes cruciais nos planejamentos terapêuticos.

A familiaridade com a anatomia vascular comum é essencial. Entendimento da anatomia aberrante ou variante comum é fundamental para evitar erros de interpretação.

Variantes comuns do arco aórtico:

  • “Normal” (70%).
  • Origem comum da carótida comum esquerda e tronco barquiocefálico (também chamado de “tronco bovino”) (13%).
  • Artéria vertebral esquerda diretamente do arco (5%).
  • Tronco braquiocefálico esquerdo (2,7%).
  • Subclávia direita aberrante (0,5%).

Variantes arteriais intracranianas comuns:

·                    Polígono de Willis completo (20-25%).

·                    Hipoplasia de uma ou de ambas as artérias comunicante posterior (34%).

·                    Hipoplasia ou ausência do segmento A1 da artéria cerebral anterior.

·                    Origem da artéria cerebral posterior da artéria carótida interna e com segmento de ausência ou hipoplasia do segmento P1 (comunicante posterior fetal) (17%).

 

·                    Venosa:

A drenagem venosa cerebral pode ser composta por dois sistemas: sistema venoso superficial e sistema venoso profundo. Embora anatomicamente distintos, os dois sistemas são unidos por numerosas anastomoses.

Sistema Venoso Superficial: drenam o córtex e a substância branca subjacente. Formado por veias cerebrais superficiais (superiores e inferiores) que desembocam nos seios da dura-máter.

Sistema Venoso Profundo: Drenam o sangue de regiões situadas mais profundamente no cérebro, tais como: corpo estriado, cápsula interna, diencéfalo e grande parte do centro branco medular do cérebro. A veia mais importante deste sistema é a veia cerebral magna ou veia de Galeno, para a qual converge todo o sangue do sistema venoso profundo do cérebro.

As veias do encéfalo, de um modo geral, não acompanham as artérias, sendo maiores e mais calibrosas do que elas. Drenam para os seios da dura-máter, de onde o sangue converge para as veias jugulares internas, que recebem praticamente todo o sangue venoso encefálico.

As veias jugulares externa e interna são as duas principais veias que drenam o sangue da cabeça e do pescoço. As veias jugulares externas são mais superficiais e drenam, para as veias subclávias, o sangue da região posterior do pescoço e da cabeça. As veias jugulares internas profundas drenam a porção anterior da cabeça, face e pescoço. Elas são responsáveis pela drenagem de maior parte do sangue dos vários seios venosos do crânio. As veias jugulares internas de cada lado do pescoço juntam-se com as veias subclávias para formar as veias braquiocefálicas, que transportam o sangue para a veia cava superior.

 

Complicações:

O exame de angiografia cerebral pode apresentar complicações, que podem ser neurológicas, geralmente relacionadas ao cateterismos dos vasos do pescoço ou não neurológicas sistêmicas ou locais (Tabela 2), geralmente relacionadas ao acesso vascular ou reação adversa ao contraste.

A complicação mais comum é o hematoma no local de punção, que ocorre em 4,2 % dos pacientes. Náusea, vômito e/ou hipotensão transitória é uma complicação sistêmica mais comum (1,2%) e anafilaxia e morte ocorrem em casos raros (0,03% e 0,06%, respectivamente).

 

Complicações Não Neurológicas

Local

Hematoma
Hematoma cirúrgico
Trombose
Infecção

Sistêmica

Cefaleia
Náusea, vômitos, hipotensão transitória
Urticária
Morte
Choque anafilático
Falência renal aguda

Tabela 2. Complicações não neurológicas relacionadas a angiografia cerebral.

O déficit neurológico pode ocorrer em até 2,6 % dos casos, e na sua maioria são transitórios ou reversíveis.  Em 0,14% podem déficit neurológico permanente (Tabela 3).

 

Complicações Neurológicas

AIT
Déficit Reversível
Déficit Permanente
Morte relacionada a complicação neurológica

Tabela 3. Evolução das complicações neurológicas relacionadas a angiografia cerebral.

 

O exame de angiografia cerebral deve ser realizado por um especialista em neurorradiologia intervencionista e deve saber identificar e tratar eventuais complicações neurológicas. As complicações neurológicas por acesso vascular serão abordadas no capítulo de embolização de aneurisma cerebral.